Após o esforço do volume um sobre provérbios de trabalho, confesso que tirámos uma soneca, à sombra de um rifão: “Quem bem trabalhou, melhor descansou.” Mas, agora, é altura de voltar a “estar com as mãos na massa”, ou seja, tratar do tema que nos trouxe novamente aqui. Afinal, “Deus dá o pão, mas não amassa a farinha”. E, já que se falou em farinha, diga-se que não faltam máximas sobre os trabalhos da lavoura. Ao muito conhecido “Para colher, é preciso semear”, juntam-se outros provérbios que pretendem mostrar que o esforço que se despender acabará por ser devidamente recompensado.
“Aduba as terras e verás como medras.”
“Quem semeia a chorar, recolhe a cantar.”
“Inverno laborioso, Verão venturoso.”
“Quem trabalha tem pão.”
Há provérbios que não devem ser levados à letra…
Se “o trabalho é a fonte de todas as riquezas”, como afirma a sabedoria popular, será melhor contarmos connosco para o cumprir, até porque “a sorte ajuda às vezes, o trabalho sempre”. Por outras palavras, “quem fizer a cama bem feita, melhor nela se deita”. Toca lá a esticar esses lençóis, sem preguiça, pois “o que não custa não lustra”. Se bem que, às vezes, isto de trabalhar podia custar um bocadinho menos… E, segundo um provérbio famoso, trabalhar naquilo de que se gosta, de facto, custa menos: “Quem corre por gosto não cansa”. Ouço algumas vozes discordantes? Cansa à mesma, não é? Mas talvez se vá para a coisa com outro espírito. “Burro que geme, carga não teme”, avisa-se nas coleções de anexins. E quem souber trabalhar bem nada deve temer, pois “cesteiro que faz um cesto faz um cento, se lhe derem verga e tempo”.
Cem cestos? Caramba, tanta coisa… Quando há muito por fazer, o melhor é pegar cedo ao trabalho. “De manhã se começa o dia”, já se sabe. A meio da manhã até vem a calhar uma pausa, mas todos conhecemos pessoas que detestam “perder” tempo. Essas arranjam logo ocupação. “Enquanto se descansa, vamos aqui rachar esta lenha!”, dizem-nos, com um brilho nos olhos. E nós com tantas tarefas ainda por acabar… Se calhar não devíamos ter levado tão a sério alguns provérbios. Do género destes:
“Guarda que comer, não guardes que fazer.”
“Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje.”
“Quando há obrigações, não há devoções.”
“O dever acima de tudo.”
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Não somos um relógio para trabalhar de graça
“Um dia vale por dois, para quem diz ‘Já’ e não ‘Depois’.” Pois. Dissemos tantas vezes “já” e “sim”, que agora temos a página da agenda cheia de afazeres! Os nossos colegas já se foram todos embora. Lá está, “há mais quem suje a casa do que quem a varra”. Piraram-se, e ficámos nós com a vassoura, a pá e a esfregona. Um até me disse, piscando o olho: “O que à noite se faz, de manhã aparece.” Aparece à nossa custa, não é?!
A questão é que nem sabemos se nos pagam as horas extraordinárias. Devíamos ter visto isso antes. Ou lido de antemão estes provérbios a avisarem que o trabalho merece sempre a devida recompensa.
“De graça, nem os cães vão à caça.”
“Trabalhar para aquecer, é melhor morrer de frio.” (ou, noutra versão: “Trabalhar para aquecer, todos gostamos de não fazer.”)
“Quem trabalha de graça é relógio.”
Para amealhar dinheiro é preciso tino
Mas nem sempre foi assim. No “Dicionário de Máximas, Adágios e Provérbios”, de 1936, o Major Hespanha listava uma versão que preconizava o movimento para combater os rigores do inverno: “Frio a valer, trabalhar para aquecer”. Ou seja, o trabalho em si já trazia uma recompensa. E sempre era melhor remédio do que os lamentos. “Antes trabalhar que chorar”, dizia-se. Pior estariam os que não encontravam ocupação. “Quem não tem ofício, não tem benefício”.
Mas pronto, trabalhámos e ganhámos uns tostões. Agora, talvez conviesse um bocadinho de cabeça. Sem juízo, seremos um daqueles casos de “chapa ganha, chapa gasta”. E, quando se fica com a conta quase a zeros, o panorama enegrece. “É mais fácil demolir que construir”, avisam os provérbios, e temos de lhes dar razão. Uma poupança demora meses, anos, uma vida a engrossar. Mas, com alguma facilidade, pode gastar-se tudo numa semana ou até num dia. E depois? Trabalhar ainda mais, cada vez mais, para recuperar o que se perdeu. E meter na cabeça uma nova sentença popular: “o trabalho produz o dinheiro; o bom-senso, conserva-o”.
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