A política comercial agressiva de Donald Trump motivou uma tempestade nos mercados financeiros que está a causar dissabores aos investidores. As ações estão a ser os ativos mais penalizados, numa tendência que atinge a bolsa norte-americana de forma mais intensa, mas também está a afetar as poupanças dos europeus de forma negativa.

Mas do ponto de vista financeiro, nem tudo são más notícias, sobretudo para os europeus. Os consumidores e empresas estão a tirar partido de uma evolução favorável do petróleo e do euro que está a aliviar de forma muito acentuada a fatura com a compra da matéria-prima.

O petróleo é transacionado nos mercados financeiros em dólares, pelo que para os outros países é necessário também ter em conta a evolução do mercado cambial para determinar o preço real da matéria-prima. O dólar está a perder terreno de forma pronunciada, o que amplia a tendência descendente das cotações do petróleo.

O Brent, que serve de referência para as importações portuguesas, está atualmente a negociar perto de mínimos de fevereiro de 2021, na casa dos 60 dólares por barril. Convertendo para a moeda europeia, a cotação do petróleo negociado em Londres transaciona nos 54,4 euros, o que corresponde ao preço mais reduzido em quatro anos (maio de 2021). Este ano, o Brent acumula uma queda de 17% em dólares e 24,5% em euros.

Fazendo as contas desde o momento em que o petróleo atingiu máximos do ano (meados de janeiro), as variações são ainda mais expressivas, com o petróleo em euros a acumular uma desvalorização de 31%. Um alívio significativo no orçamento das famílias e empresas europeias que ajudará a mitigar os potenciais efeitos negativos da política comercial de Trump. Quer na atividade económica, quer da desvalorização dos ativos onde os europeus aplicam as suas poupanças.

Desde que o petróleo atingiu o último pico acima de 120 dólares em meados de 2022, devido à guerra na Ucrânia, o custo do petróleo para os europeus já recuou para menos de metade. Há três anos, o euro chegou a negociar abaixo da paridade face ao dólar, o que agravou a fatura dos europeus com a matéria-prima. Atualmente está a verificar-se uma tendência bem diferente, com a força da moeda europeia a acentuar declínio dos preços da matéria-prima.  

Nos últimos anos, os europeus não têm beneficiado com uma evolução favorável do euro para aliviar os custos com o petróleo. Em 2024 o Brent recuou 5%, mas a descida da moeda europeia anulou totalmente este efeito. Em 2023 as oscilações foram pouco significativas, mas em 2022 o petróleo recuou 4% em dólares e valorizou 3% em euros. 

Fuga dos EUA deve continuar a penalizar dólar

O euro acumula em 2025 uma valorização de 10% face ao dólar, tendo já atingido máximos desde novembro de 2021 nos 1,15 dólares, num claro contraste com as expectativas do início do ano de que a moeda europeia iria desvalorizar para a paridade. Esta evolução surpreendente reflete a debilidade do dólar, mas também fatores favoráveis na Zona Euro.

A Alemanha anunciou uma reviravolta na gestão das finanças públicas do país, com o novo governo a anunciar um plano de estímulos orçamentais vigoroso que abandona um longo período de disciplina férrea nas contas públicas. Esta alteração surpreendente no rigor orçamental da Alemanha, que reforça a atratividade dos ativos europeus, foi sobretudo impulsionada por Donald Trump, que fomentou o reforço significativo dos países europeus em defesa.

Mas o papel do presidente dos Estados Unidos na debilidade do dólar é bem mais significativo. A política errática e agressiva na frente comercial gerou uma onda de desconfiança dos investidores nos ativos norte-americanos. Os avanços e recuos nas tarifas alfandegárias geraram uma incerteza que está a provocar uma fuga de investimento para outras geografias fora dos Estados Unidos, numa tendência que penaliza a cotação do dólar de forma pronunciada. 

O índice do dólar, que mede o desempenho da divisa norte-americana contra as moedas mais negociadas do mundo, registou uma desvalorização de 8% em março e abril, o que representa a queda de dois meses mais acentuada desde 2002. Uma evolução surpreendente que coloca em causa o estatuto de ativo de refúgio do dólar, que habitualmente consegue um  desempenho positivo em períodos de turbulência nos mercados.

Muitos economistas e analistas assinalam que esta queda abrupta e pouco habitual no valor da moeda norte-americana reflete o fim do longo período de excecionalismo que beneficiou a economia dos Estados Unidos. Apostam por isso que o dólar vai continuar a perder terreno nos próximos tempos, tendo o euro potencial para ocupar parte do terreno que está a ser perdido pela divisa norte-americana. O Deutsche Bank é dos bancos de investimento que está a estimar uma tendência de desvalorização estrutural do dólar, prevendo uma valorização do euro até 1,30 dólares em 2027.   

A alta adicional do euro provocará um alívio ainda mais significativo na fatura dos europeus com energia, sendo que o efeito positivo no bolso dos consumidores não se fica pelo petróleo. Um euro forte também torna os produtos importados dos Estados Unidos mais baratos. E as viagens ao país do outro lado do Atlântico menos dispendiosas.

  

Medo de recessão penaliza petróleo

O Brent negociou abaixo dos 60 dólares por barril, um mínimo desde fevereiro de 2021, logo após Donald Trump ter chocado o mundo com o anúncio das tarifas recíprocas a 2 de abril. Um reflexo dos receios de que a escalada da guerra comercial iria colocar a economia mundial em recessão, com impacto evidente na procura global de petróleo.

A matéria-prima ainda recuperou nas sessões seguintes, mas terminou o mês de abril encostado de novo à barreira dos 60 dólares. O Brent acumula uma desvalorização de 17% em 2025 e 25% desde os máximos atingidos em meados de janeiro, sendo que os analistas continuam pessimistas com a evolução das cotações.

Do lado da procura, o agravamento das tensões comerciais está a deteriorar as perspetivas para o consumo da matéria-prima a nível global, que está fortemente dependente da evolução registada na China. No relatório publicado em abril, a Agência Internacional de Energia (AIE) cortou a previsão de aumento do consumo de petróleo a nível global em 2025 em 300 mil barris por dia, estimando um novo abrandamento em 2026.      

Do lado da oferta, as notícias também estão a pressionar as cotações em baixa. Depois de adiamentos sucessivos na reposição dos cortes de produção extraordinários implementados durante a pandemia, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) começou a “abrir as torneiras” em abril e surpreendeu com um incremento significativo da oferta em maio (mais de 400 mil barris por dia).

O cartel já deu sinais de que pretende continuar a acelerar o aumento de produção, sugerindo que está disponível para sacrificar margens para conseguir aumentar os volumes de venda de petróleo. A OPEP já recorreu a esta estratégia no passado, visando castigar os produtores de outras geografias (sobretudo nos Estados Unidos) onde não é viável extrair petróleo com as cotações deprimidas.

Com a procura pressionada e a oferta a aumentar, as perspetivas apontam para as cotações do petróleo permanecerem nestes níveis historicamente baixos. Uma queda do Brent para 55 dólares, acompanhada de uma subida do euro para 1,20 dólares, baixará a fatura dos europeus com o petróleo em mais 17%.

Contudo, é preciso notar que os mercados continuam muito voláteis e a tendência dos dois ativos pode inverter-se de um momento para o outro em reação a desenvolvimentos significativos, como por exemplo um acordo comercial entre os EUA e a China. A valorização do petróleo para 75 dólares, acompanhada de uma queda do euro para 1,05 dólares, significa um agravamento de 30% na cotação do petróleo em euros.    

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