Maio é o mês em que se celebra o Dia da Família (dia 15), um momento especial para refletirmos sobre o papel fundamental que a família tem na nossa vida. Mas também pode ser uma boa altura para olharmos para as nossas finanças familiares e percebermos como algumas decisões, aparentemente simples, podem ter impacto no nosso orçamento ao longo do ano — como é o caso da retenção na fonte do IRS.
Muitos trabalhadores por conta de outrem, ao receberem o seu salário mensal, notam um valor que é automaticamente descontado: a retenção na fonte. Mas nem todos sabem que, ao fazer este desconto, o empregador está a aplicar uma tabela definida pela Autoridade Tributária, que varia consoante vários fatores — entre eles, a existência ou não de dependentes.
E aqui começa a dúvida de muitas famílias: “Se temos filhos, devemos os dois usar a tabela com dependentes?” Ou, “se só um de nós aplicar dependentes, o que acontece depois, quando entregarmos a declaração de IRS?”
Neste artigo, vamos explicar tudo isto de forma simples e prática. Afinal, o tema é técnico, mas as decisões que tomamos têm efeitos muito reais no nosso dia a dia.
Leia ainda: Retenção na fonte e imposto: Como distinguir as diferenças?
O que é a retenção na fonte?
A retenção na fonte é, no fundo, uma forma de pagamento antecipado do IRS. Todos os meses, o empregador retira uma parte do salário bruto do trabalhador e entrega esse valor diretamente ao Estado, como uma espécie de adiantamento do imposto que vai ser apurado mais tarde, no momento da declaração anual de IRS.
Para saber quanto descontar, o empregador baseia-se nas tabelas de retenção na fonte publicadas anualmente, que têm em conta o valor do rendimento, o estado civil e — importante neste contexto — se a pessoa tem ou não dependentes a seu cargo.
Ter filhos não significa que ambos descontem com dependentes
Aqui está um ponto-chave que gera confusão: ter filhos não obriga ambos os membros do casal a usar a tabela com dependentes. Aliás, muitas vezes, apenas um dos elementos do casal escolhe aplicar essa tabela, enquanto o outro opta pela tabela sem dependentes.
Esta escolha é perfeitamente legal e comum. Cabe ao trabalhador comunicar à sua entidade patronal qual é a situação que pretende ver considerada para efeitos de retenção. Por isso, mesmo que existam filhos em comum, um dos cônjuges pode perfeitamente optar por “não ter dependentes” na ótica da retenção — mesmo que, na realidade, os tenha.
Mas por que motivo alguém optaria por isso?
O impacto da escolha no rendimento mensal
A escolha entre aplicar dependentes ou não tem efeitos práticos imediatos no salário líquido mensal.
Quando se opta pela tabela com dependentes, o valor da retenção na fonte é mais baixo. Ou seja, o trabalhador recebe mais dinheiro ao final do mês.
Isto acontece porque o sistema assume que uma pessoa com filhos ou outros dependentes tem mais encargos familiares, e por isso o imposto antecipado é menor.
Já a tabela sem dependentes aplica uma taxa de retenção mais alta, o que significa que o trabalhador recebe menos dinheiro mensalmente, mas está a “adiantar” mais imposto ao Estado.
Portanto, esta escolha afeta diretamente o equilíbrio financeiro mensal da família.
Um exemplo prático:
- Se um casal tem dois filhos, pode optar por dividir os dependentes entre os dois membros (por exemplo, um usa “com 1 dependente” e o outro também), ou concentrar ambos os dependentes num só elemento, que ficará com uma retenção menor.
- O outro elemento, ao escolher “sem dependentes”, terá uma retenção maior.
Em alguns casos, esta estratégia é usada de forma a equilibrar o orçamento familiar — especialmente se um dos cônjuges tiver um rendimento significativamente mais elevado do que o outro.
Leia ainda: Redução da taxa de retenção na fonte para trabalhadores independentes: O que muda?
Mas e quando chega o IRS? A escolha feita afeta o imposto final?
Esta é uma das questões mais importantes: a forma como cada membro do casal descontou ao longo do ano não altera o imposto final a pagar ou a receber. O que conta, no momento da declaração de IRS, é a realidade fiscal do agregado familiar.
Ou seja:
- Se o casal tem dois filhos, são esses dois dependentes que serão considerados na declaração conjunta (ou nas declarações separadas, se assim optarem).
- Não importa se, ao longo do ano, um dos cônjuges descontou como “sem dependentes” — na entrega do IRS, os dependentes contam na mesma.
Portanto, o que a retenção na fonte faz é apenas antecipar o imposto. Se ao longo do ano pagou “a mais”, o sistema calcula isso e devolve sob a forma de reembolso. Se pagou “a menos”, poderá ter de pagar a diferença.
Exemplo simples para ilustrar
Vamos imaginar um casal, a Ana e o Miguel, com dois filhos. A Ana ganha 1.200 euros por mês e o Miguel 2.000 euros. Para equilibrar as finanças da casa, decidem o seguinte:
- O Miguel comunica à empresa que tem 2 dependentes e aplica a tabela com dependentes;
- A Ana opta por aplicar a tabela sem dependentes.
O resultado será:
- O Miguel terá uma retenção mais baixa e um salário líquido mais alto;
- A Ana terá uma retenção maior e um salário líquido mais baixo.
Ao longo do ano, isto permite que a família tenha um pouco mais de rendimento disponível mês a mês.
No momento de entrega do IRS, os dois filhos serão considerados na mesma. E o sistema irá calcular o imposto devido com base no rendimento total e na composição real do agregado familiar. Se o Miguel reteve menos do que devia, pode ter de pagar. Se a Ana reteve mais, pode receber reembolso. No final, tudo se ajusta.
Leia ainda: Pagamentos por conta de IRS: Cálculo, fórmula e redução da taxa
Então, qual é a melhor opção?
Não existe uma resposta certa para todos. O ideal é avaliar caso a caso, tendo em conta:
- A distribuição dos rendimentos entre os cônjuges;
- As necessidades financeiras mensais;
- A vontade (ou não) de ter um eventual reembolso no ano seguinte.
Se houver dúvidas, pode ser útil simular os cenários ou pedir apoio a um contabilista certificado. Lembrando sempre que estas decisões são reversíveis — ou seja, pode-se alterar a situação comunicada ao empregador durante o ano, se necessário.
Informar é cuidar da família
Num mês dedicado à família, como é maio, vale a pena pensar nestas questões. A retenção na fonte pode parecer um assunto técnico ou distante, mas as suas consequências são muito práticas e sentidas todos os meses. Entender as regras — e, sobretudo, as opções que temos — é uma forma de cuidar melhor do orçamento familiar e garantir maior estabilidade ao longo do ano.
Porque tomar decisões informadas, mesmo nas finanças, é também uma forma de proteger quem mais amamos.
Leia ainda: Prémios de produtividade, desempenho e participações nos lucros: Novas regras e benefícios fiscais