O direito de preferência dos proprietários de terrenos confinantes em Portugal está consagrado no artigo 1380.º do Código Civil que dispõe no seu n.º 1: “Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.”
A referida disposição legal visa promover o emparcelamento e combater a fragmentação da propriedade rústica. Este direito permite que, em caso de venda de um prédio rústico a quem não seja proprietário confinante, os proprietários dos terrenos adjacentes do que será objeto de venda possam exercer a preferência na aquisição e, dessa forma, adquirir o imóvel em igualdade de condições.
São assim requisitos para a exercício deste direito: (i) Estar prevista a venda ou a dação em cumprimento de um terreno; (ii) Ambos os terrenos devem ser rústicos e destinados à cultura agrícola; (iii) Os terrenos devem ser confinantes, ou seja, partilhar uma linha divisória comum; (iv) estar prevista a venda ou a dação em cumprimento de um terreno e (v) o proprietário de um terreno confinante ao que se pretende transmitir por venda ou dação, pretenda exercer esse direito de preferência. Se estes requisitos são assim reconhecidos de forma unanime, muitas dúvidas existem sobre se este direito é estabelecido apenas quando um dos terrenos envolvidos é de área inferior à unidade de cultura (seja o terreno objeto da transmissão projetada, seja o terreno em relação ao qual será constituído o direito de preferência) ou se, pelo contrário, a lei exige que ambos sejam de área inferior à unidade de cultura aplicável em cada área geográfica do país.
Instituído como expediente legal de combate à divisão da terra e ao minifúndio que, em si mesmo, compromete a eficiência da atividade e exploração agrícola, a verdade é que, fruto de diversas alterações legislativas (por ação ou por omissão) ao longo dos anos, este instituto sofreu diversas alterações de conteúdo, levando a que existam legítimas dúvidas sobre a que terreno ou terrenos se há-de aplicar a área inferior à unidade de cultura.
A maioria da doutrina tem entendido, desde a publicação da Lei n.º 111/2015, que estabeleceu um novo enquadramento para a estruturação fundiária, que, para que exista este direito de preferência ambos os prédios devem ser de área inferior à unidade de cultura, seja o prédio objeto da transmissão projetada seja aquele que pretenda exercer a preferência da aquisição.
Essa tendência doutrinária tem, aos poucos vindo a ser acolhida na jurisprudência. É nesse sentido que o muito recente Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 20 de fevereiro de 2025, proferido no âmbito do processo 156/24.7T8MDL.G1,vem também dispor que o legislador “foi claro ao estabelecer no art.º 1380.º do C. Civil que ambos os imóveis (o confinante e aquele que foi transmitido) teriam de ter área inferior à unidade de cultura para que aquela preferência pudesse ser exercida”.
Assim, e embora este Acórdão não seja um Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nem tenha força fora do processo no âmbito do qual foi proferido, não deixa, ainda assim, de reforçar a tendência interpretativa da lei no sentido de se entender que a preferência legal aplicar-se-á uma vez verificados os pressupostos acima elencados e sempre que ambos os prédios (o confinante e aquele que foi transmitido) sejam de área inferior à unidade de cultura.
Ainda a este propósito, e nos termos de Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 13/07/2021, no âmbito do processo 102/13.3T2SVV.P1, será bom ter presente que, no caso de venda de prédio rústico a quem não seja proprietário confinante, sendo vários os proprietários de terrenos confinantes com direito de preferência, este direito cabe ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura para a respetiva zona.
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