Para António Ramalho, “a crise da habitação como um todo é uma coisa que não existe” e pensar nela deste modo é contraproducente, porque desvia a atenção das diferentes subcrises que afetam o setor. Num painel dedicado a este tema que decorreu esta quarta-feira, dia 7 de maio, último dia da 1.ª Convenção da Rede Doutor Finanças, em Vila Nova de Gaia, o gestor lembrou que Portugal tem um mercado de habitação “extraordinariamente maduro”, com um histórico de proprietização ímpar na Europa.
“Isto cria 2 milhões de famílias que são titulares da sua casa e já a pagaram ao banco, o que altera substancialmente o mercado”, referiu António Ramalho. “As pessoas endividaram-se, pagaram a casa e têm-na agora como poupança. Os portugueses são hoje muito ricos patrimonialmente, mas não têm cash flow.”
Já Marina Gonçalves, deputada do PS, colocou o foco no papel social da habitação. “Há mesmo uma crise no acesso à habitação”, referiu, reconhecendo “o problema de quem precisa de aceder à habitação e não consegue”, nomeadamente os jovens que pretendem constituir família.
Procura está a adaptar-se aos preços
Em relação às soluções, a ex-ministra da Habitação sublinhou a existência de “um aparente consenso para criar apoios para reforçar o arrendamento”. Outra via é a criação de apoios à compra de casa, embora, neste âmbito, Marina Gonçalves tenha manifestado a sua discordância em relação à política seguida pelo atual Governo, considerando que “não podemos segmentar a política de habitação”.
Ricardo Sousa, CEO da Century 21, defendeu que, no que respeita ao acesso à habitação em Portugal, “não há solução de curto prazo, ponto”. E é preciso “coragem política para dizer isto às pessoas”. “O Estado tem de se focar nas situações de emergência social e dizer a verdade às pessoas, enquanto atua a nível estrutural”, afirmou.
O CEO da Century 21 lembrou, porém, que o mercado imobiliário está a mexer, com mais casas a serem vendidas. Segundo o especialista, o que se verifica agora em Portugal é um fenómeno semelhante ao que se observou nos grandes centros urbanos da Europa. “Se olharmos para Madrid, Paris ou Londres, com a evolução das cidades, coloca-se o problema do tamanho. Não podemos viver todos na cidade.”
Segundo Ricardo Sousa, os portugueses estão já a ajustar a procura aos seus rendimentos. “Os jovens estão a ampliar a zona e a mudar os seus critérios de pesquisa. Vendíamos muitos T3, agora vendemos mais T2”, exemplificou.
Fomentar a transação imobiliária
Para António Ramalho, outro problema relacionado com a habitação é “o imobilismo da poupança criada pelos portugueses nas casas de que são proprietários”. “Muitos não têm dinheiro para os medicamentos, mas são proprietários de uma grande casa”, referiu o gestor. Em muitos casos, estas pessoas fazem o esforço para comprar e manter esta habitação para que ela fique para “herdeiros que entretanto já pagaram as suas próprias casas”.
Nesse sentido, os incentivos do Estado deveriam ser diferentes dos atuais, defendeu António Ramalho. “Portugal tem um dos IMT [Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis] mais caros da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] e um dos IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis] mais baratos”, referiu o gestor, considerando que esta política fiscal dificulta a transação de casas e facilita a propriedade, quando deveria fazer o inverso.
Marina Gonçalves reforçou a importância de que Portugal passe de 2% para 5% de habitação pública. E discordou da inevitabilidade de os portugueses, nomeadamente os jovens, ficarem afastados dos centros das cidades. “Se eu disser que as cidades deixam de ser viáveis para quem lá vai morar e ‘fazer cidade’, passamos a ter uma cidade só para turistas”, referiu a deputada, salientando a dimensão cultural e identitária das cidades.
Os três especialistas estiveram de acordo em relação à necessidade de o Estado identificar adequadamente e intervir no seu próprio património imobiliário. Marina Gonçalves defendeu também que “as soluções permanentes de habitação têm de ser dignas” e que a construção de habitação nova não é a única solução. “A reabilitação é fundamental no nosso território”, afirmou.