Se recebeu uma fatura de consumo com mais de seis meses, não tem de a pagar. Apesar de o fornecedor ter o direito de receber os serviços que prestou, as dívidas relativas a consumos efetuados prescrevem ao final de seis meses.
Note, neste caso tem de partir de si a contestação ao valor cobrado. O fornecedor não tem obrigação de o avisar e vai tentar cobrar. Cabe-lhe a si reclamar e não pagar.
Se os consumos vierem juntamente com outros mais recentes, pode ter a tentação de pagar e só depois reclamar a fim de receber o valor pago em excesso. Porém, se pagar está a reconhecer a dívida e perde o direito a não pagar, evocando a prescrição da dívida.
Ainda assim, importa sublinhar que a prescrição apenas se aplica aos serviços públicos essenciais.
Prescrição da dívida está definida na lei
No artigo 10.º da Lei dos Serviços Públicos (Lei nº 23/96 de 26 de julho) refere que: “o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”. Ou seja, dito de outra forma, fornecimentos de serviços públicos não podem ser cobrados após seis meses de lhe terem sido disponibilizados e consumidos. Assim, já não tem de pagar por eles porque a dívida prescreveu.
No entanto, antenção: a prescrição da cobrança não se aplica ao fornecimento de energia de alta tensão.
Quais são os serviços públicos abrangidos?
No artigo n.º1 da referida Lei dos Serviços Públicos estão identificados os serviços abrangidos, quer sejam prestados por entidades públicas ou privadas a clientes particulares ou empresas:
- fornecimento de água;
- recolha e tratamento de águas residuais;
- fornecimento de energia elétrica;
- fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados;
- comunicações eletrónicas;
- serviços postais;
- gestão de resíduos sólidos urbanos.
- transporte de passageiros.
Consumos com mais de seis meses prescrevem
Se receber faturas com consumos com mais de seis meses, prepare-se para enviar uma carta ao fornecedor de serviço a evocar a prescrição. Não tenha receio porque mesmo que venha com consumos mais recentes, o fornecimento não pode ser cortado. A data limite de pagamento é logo suspensa.
E note que a prescrição também se aplica a acertos de faturas pagas relativas a consumos faturados com base em valores estimados. Mas aqui há que distinguir se pagou em excesso ou em defeito
Se o pagamento por estimativa foi inferior ao valor real dos consumos
Quando a leitura do contador não é feita pela empresa durante muito tempo, quando esta a faz, a fatura seguinte de acerto pode ser muito “pesada”, caso o consumo estimado tenha sido muito inferior ao realmente consumido.
Aqui há que ter atenção, já que a fatura pode conter valores já prescritos.
De facto, segundo o artigo 10.º da Lei dos Serviços Públicos, a prescrição também se aplica quando tiver sido paga importância inferior à que corresponde ao consumo efetuado.
Ou seja, qualquer que tenha sido o motivo que lhe deu origem (cobrança por estimativa, erro do fornecedor de serviço ou qualquer ou outro) se pagou um valor inferior ao correspondente ao consumo efetuado, o prestador de serviços também não pode fazer correções ao valor faturado e recebido, decorridos os referidos seis meses.
Assim, aplica-se o que já foi dito antes – prepara-se para reclamar.
Note que é este o motivo que as empresas insistem a fazer regularmente a contagem dos contadores, sendo que, por exemplo os modernos contadores de eletricidade já fazem uma leitura real.

Se o pagamento por estimativa foi superior ao valor real dos consumos
Aqui o caso é outro. Se a empresa cobrou por estimativa e ao realizar a leitura real verificar que pagou mais do que devia já que o consumo real foi inferior ao faturado, tem direito ao reembolso.
De facto, a lei diz que se em virtude do método de faturação utilizado, o prestador de serviço cobrou em excesso, tem de o reembolsar o cliente do valor cobrado em excesso em relação ao consumo efetivamente ocorrido.
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Envio da fatura e aviso de corte antecipadamente
As regras para os fornecedores vão mais longe, no sentido de proteger o consumidor.
A primeira regra tem a ver com o envio da fatura ao cliente. Tem de ser enviada, pelo menos, 10 dias úteis antes da data-limite de pagamento. Se tiver escolhido a cobrança por débito direto, assim que receber a fatura tem de dar instruções para que rejeitem o débito, no caso de ir reclamar. Se o banco pagar já não pode pagar.
Também no sentido de proteger o cliente, e nos termos do artigo 5.º da Lei dos Serviços Públicos, o fornecimento do serviço, por não ter pago uma fatura (não contestada) só pode ocorrer após ter sido avisado com a antecedência mínima de oito dias da referida suspensão.
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Cuidados a ter quando recebe fatura
1. Verifique data de referências dos consumos
Se constatar que lhe estão a cobrar consumos com mais seis meses (mesmo resultante de acertos), lembre-se que não tem de os pagar. Tem o direito de invocar a prescrição dos mesmos, opondo-se ao respetivo pagamento e solicitando assim a anulação dos valores exigidos.
2. Não pague a fatura
Não pague sob pretexto nenhum. Se pagar está a assumir a dívida e, assim, já não pode legalmente reclamar e reaver o valor.
Se recebeu antes da data limite de pagamento dê instrução de cancelamento do débito direto ao banco. Mas se este já pagou, peça a revogação do débito. O banco terá de o fazer e assim já poderá contestar.
3. Envie carta ao fornecedor do serviço invocando a prescrição da dívida
De facto, não basta não pagar. Tem de enviar carta ao prestador de serviço, com suporte na lei, e invocar a prescrição da dívida. A prescrição suspende, ou cancela de imediato a fatura em causa, sendo o único meio legal reconhecido como meio de anular a dívida.
Para tal, envie a carta registada com aviso de receção e guarde uma cópia da carta e respetivos registos de envio.
Se se tratar de uma fatura com acertos, o mais certo é que lhe seja enviada nova fatura só com o acerto dos meses não prescritos (ou seja com menos de seis meses), já que o fornecedor de serviços públicos tem legalmente direito a cobrar os consumos efetuados.
Exemplo de carta (invocação de prescrição da dívida)
Nome, morada, número de identificação fiscal e número de cliente
Assunto: Prescrição de consumos – V/ Fatura nº _____, relativa ao mês _____
Exmos. Senhores,
Acuso a receção, no (dia, mês, ano) da sua fatura acima indicada no valor de xxx,xx€ que onde se incluem consumos efetuados em ____ (indicar o mês ou meses, e ano, em causa).
Nos termos do nos termos do artigo 10.º n.º1 da Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei nº 23/96 de 26 de julho, estes consumos, como foram efetuados há mais de seis meses, encontram-se prescritos. Concretamente, estes prescreveram em ____ (indicar a data em que se completaram os seis meses),
Assim, e tendo por base a lei acima referida, venho por este meio opor-me ao pagamento do valor da fatura supramencionada, invocando expressamente a sua prescrição para todos os feitos legais.
Desta forma, e esperando a vossa correta análise aos factos expostos, fico a aguardar a vossa resposta por escrito e anulação dos valores prescritos.
Com os melhores cumprimentos,
Local e data – Assinatura
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