Esta é uma das primeiras questões com que se pode deparar ao abrir atividade como trabalhador independente: devo optar em termos fiscais pelo regime simplificado ou por contabilidade organizada? Não existe uma resposta certa, já que a resposta depende do que for mais adequado ao seu caso.
São ambos regimes de tributação dos rendimentos obtidos pelos trabalhadores independentes, que se enquadram na categoria B do IRS, mas escolher o que mais se adequa à atividade que desenvolve pode fazer toda a diferença na altura de pagar o IRS.
Mas para poder escolher tem de conhecer as regras de cada um dos regimes. E nós damos uma ajuda.
Regime simplificado ou contabilidade organizada
Quando abre atividade tem de optar pelo regime simplificado ou pelo regime de contabilidade organizada. Se espera ter rendimentos anuais inferiores a 200.000 euros pode optar pelo regime simplificado, avaliando se não lhe compensa ter contabilidade organizada. Já se estimar uma faturação superior a 200.000 euros tem de escolher o regime de contabilidade organizada.
Em cada um dos regimes há diferenças ao nível fiscal e contributivo, pelo que é importante conhecer detalhadamente estes regimes.
Leia também: Trabalhador independente: 5 dicas para organizar as suas finanças
Regime simplificado
Este é de facto o regime mais comum para quem trabalha por conta própria, seja como trabalhador independente seja como empresário individual, e tem um rendimento anual bruto inferior a 200.000 euros.
Nos termos deste regime, o pagamento do IRS tem por base a presunção de que uma parte do rendimento obtido diz respeito a custos ou despesas imprescindíveis para que possa desenvolver a sua atividade. Ou seja, apenas o restante será sujeito a imposto. Assim, apenas uma parte dos seus rendimentos será considerado como rendimento tributável.
Como determinar o rendimento tributável
O rendimento tributável, ou seja, a parte do rendimento sobre o qual incidem impostos calcula-se multiplicando o rendimento anual bruto por um coeficiente que varia consoante a sua atividade.
Assim, nos termos do artigo 31º do CIRS, o rendimento coletável será de:
- 75% do rendimento bruto anual recebido para as prestações de serviços referentes a atividades incluídas no artigo 151º do CIRS
- 35% do rendimento bruto anual recebido para as restantes prestações de serviços (ou seja, atividades não incluídas no artigo 151º do CIRS)
- 95% dos rendimentos provenientes de propriedade intelectual (como escritores) ou industrial ou de prestação de informação sobre experiência nos setores comercial, industrial ou científico
- 30% de subsídios e subvenções
- 10% para os restantes rendimentos não incluídos nas categorias anteriores
Leia ainda: Recibos verdes ou ato isolado: Como escolher e preencher
Mas pode ter redução de 50% do rendimento tributável
Se não acumular o rendimento de trabalhador independente com rendimento de trabalho por conta de outrem (rendimentos de categoria A) ou de pensões (rendimentos de categoria H), nos dois primeiros anos de atividade, o valor do rendimento coletável se obtido pela aplicação da percentagem de 0,75, 0,35 e 0,10 serão reduzidos em 50% e 25% no primeiro e segundo ano de atividade, respetivamente.
As despesas inerentes à atividade podem ter de ser justificadas
No regime simplificado parte do rendimento não está sujeito a IRS presumindo-se que sejam gastos inerentes à atividade.
Mas se os seus rendimentos forem superiores a 27.360 euros e se sobre estes se aplicar as percentagens de 0,75 ou 0,35, terá de justificar parte das despesas que presumivelmente estão afetas à atividade, ou seja 15% do rendimento anual bruto.
Tenha em atenção que se não justificar a totalidade destas despesas, a parte não justificada irá acrescer ao rendimento tributável, o que significa que irá pagar mais imposto.
Leia ainda: Trabalhador independente: dicas para gerir rendimentos irregulares
As despesas que são aceites como justificação
Logo à partida há que considerar a dedução específica de 4.104 euros da categoria A ou as contribuições obrigatórias para regimes de Segurança Social se forem superiores a 4.104 euros
Por isso, se tiver rendimentos de 27.360 euros, como 15% deste valor são 4.104 euros, este valor estará automaticamente justificado.
No entanto, se 15% do seu rendimento for superior 4.104 euros, considere logo como justificado este valor. Terá apenas de justificar o valor remanescente.
E nos termos do artigo 31º do CIRS são aceites como despesas:
- Despesas com pessoal e encargos suportados a título de remunerações, ordenados e salários;
- Rendas de imóveis afetas à atividade empresarial ou profissional;
- 1,5% do Valor Patrimonial Tributário (VPT) dos imóveis afetos à atividade empresarial ou profissional.
- Outras despesas com a aquisição de bens ou prestações de serviços relacionadas com a atividade. Por exemplo: matérias de consumo corrente, eletricidade, água, comunicações, rendas de viaturas, seguros, quotizações profissionais e deslocações
Note que se os três últimos estiverem afetos à atividade pessoal e profissional, apenas poderá deduzir 25% do seu valor, já que os restantes 75% serão afetos a despesas gerais e familiares.
A justificação das faturas é feita no e-Fatura pelo que todas terão de ter o seu Número de Identificação Fiscal (NIF). Depois basta indicar no campo correspondente que são despesas no âmbito da atividade profissional.
Exemplo:
O Luís é advogado, sendo profissional liberal. Em 2021 obteve rendimentos no valor de 30.000 euros. Como a sua atividade está prevista na tabela anexa do artigo 151º do CIRS, o seu rendimento coletável obtém-se multiplicando o rendimento bruto por 0,75.
O rendimento coletável é assim de 22.500 euros e será sobre este valor que terá de pagar IRS se o valor remanescente de 7.500 euros for considerado como despesas da atividade.
Para tal, o Luís tem de justificar 15% do rendimento total ou seja 4.500 euros. Como a dedução específica de 4.104 euros é considerada justificação, o Luís apenas tem de justificar como despesa de atividade 396 euros no e-Fatura.
Se não apresentar despesas nesse montante, então o valor remanescente de 396 euros, irá acrescer ao valor do rendimento coletável que passará assim a ser de 22.896 euros.
Leia ainda: Declaração IVA: Todos os trabalhadores independentes têm de entregar?
Regime de contabilidade organizada
Se tiver rendimentos brutos anuais superiores a 200.000 euros tem obrigatoriamente de optar pelo regime de contabilidade organizada. Sendo que, mesmo que tenha rendimentos inferiores a este montante pode escolher este regime.
Nos termos deste regime, o apuramento do rendimento coletável, ou seja, o rendimento sujeito a imposto tem por base as receitas e custos do negócio. Também tem de ter um contabilista certificado e ter dossiês sobre o exercício fiscal que tem de guardar e apresentar se lhe forem pedidos.
Como determinar o rendimento tributável
O seu rendimento tributável calcula-se pela diferença entre os rendimentos brutos e as despesas incorridas para os obter, nos termos do Código do IRC, ou seja, poderá deduzir a maior parte das despesas.
Mas existem despesas que não são aceites
De facto, nem todas as despesas dedutíveis em termos de IRC se aplicam neste caso. Assim, não são dedutíveis para efeitos fiscais, nos termos do artigo 33º do CIRS as seguintes despesas:
- A sua remuneração, assim como ajudas de custo, recebidas, utilização de viatura própria ao serviço da atividade, subsídios de refeição e outras prestações de natureza remuneratória.
Além disso, se o imóvel de habitação própria estiver afeto à sua atividade empresarial, a dedução de encargos nomeadamente amortizações, juros, rendas, energia, água e telefone fixo, não pode ultrapassar 25% do total das despesas devidamente comprovadas.
No caso de ter prejuízo não tem de pagar imposto
Se tiver prejuízo num ano fiscal não terá de pagar IRS e poderá deduzi-lo aos lucros nos 12 anos seguintes, desde que a dedução anual não ultrapasse os 70% do lucro tributável.
Leia ainda: Trabalhadores independentes: O que é e como se calcula o rendimento relevante
Vantagens e desvantagens do regime simplificado e da contabilidade organizada
Ambos os regimes têm vantagens e desvantagens, que deverá ter em conta se puder optar entre as duas.
Regime simplificado
Vantagens:
- Menos obrigações fiscais
- Isenção de imposto sobre parte dos rendimentos
- Não tem de pagar contabilista certificado
Desvantagens:
- Será o responsável pelo apuramento do seu rendimento tributável
- Só poderá considerar custos fiscais até ao limite máximo definido pela autoridade tributária (15% do rendimento anual bruto).
Regime de contabilidade organizada
Vantagens:
- Possibilidade de deduzir despesas como custos fiscais sem limite de valor
- O apuramento do rendimento coletável é feito por um contabilista certificado o que lhe permitirá ter uma maior eficiência fiscal
- O contabilista será o responsável pelo tratamento de todas as burocracias fiscais.
Desvantagens:
- Mais obrigações fiscais
- Mais custos derivados do pagamento de honorários ao contabilista
Leia ainda: IVA: 7 detalhes que deve saber se é trabalhador independente