Paulo Portas, antigo vice-primeiro-ministro de Portugal a falar durante a Convenção da Rede Doutor Finanças

O défice de inovação, o envelhecimento da população e a falta de competividade relativa da economia são os principais desafios que a Europa enfrenta atualmente, defendeu hoje Paulo Portas, numa palestra proferida na 1.ª Convenção da Rede Doutor Finanças, que decorre a 6 e 7 de maio, em Vila Nova de Gaia. Desafios que, na opinião do antigo vice-primeiro-ministro, podem representar ameaças sérias para o futuro da economia e das populações europeias, mas não são irreversíveis. 

Na sua apresentação, intitulada “Tendências Geopolíticas e Geoeconómicas num Mundo em Mudança”, o antigo vice-primeiro-ministro afirmou que o desafio que exige um maior tempo para inverter é a evolução demográfica. 

A este propósito, Paulo Portas lembrou que todos os países europeus apresentam um índice de fecundidade inferior a 2, ou seja, abaixo do valor necessário para que haja reposição populacional. E este valor “não se sobe por decreto”, afirmou o especialista, dando o exemplo da Alemanha, onde, após 20 anos de políticas consistentes neste âmbito, apenas se conseguiu um aumento do índice de fecundidade de 0,2. 

Criar um pilar de capitalização na Segurança Social 

Neste âmbito, Portugal está numa posição particularmente sensível, salientou Paulo Portas, uma vez que é “o país com a idade mais envelhecida do mundo ocidental, depois do Japão e da Itália”, com uma média de 47 anos em comparação com a média europeia de 44 anos. 

Por isso, defendeu o antigo vice-primeiro-ministro, “é preciso que haja o mínimo de capacidade de consenso entre quem pode governar hoje e quem pode governar amanhã sobre como se supera de forma constante este défice demográfico”. Uma resposta que terá de ser necessariamente abrangente, incluindo políticas em áreas como a da habitação, fiscal e de migração. 

A este propósito, Paulo Portas defendeu a adoção de políticas de colaboração a nível internacional, que permitam melhorar as condições de países em desenvolvimento e, consequentemente, reduzir o impacto da imigração. “A idade média de um africano é de 17 anos. Não são muitas milhas entre o norte de África e o sul da Europa. Ou ajudamos a construir oportunidades ou vão bater à nossa porta.” 

Dado o desafio demográfico e também o peso do turismo na economia nacional – “Vamos a caminho de que 20% da atividade económica seja turismo”, sublinhou – Paulo Portas aconselhou cuidados com “alguns discursos” negativos em relação a imigrantes e turistas. Segundo o antigo presidente do CDS-PP, os imigrantes são essenciais para a economia nacional, em funções como o trabalho na hotelaria, a construção civil, “as entregas do e-commerce” e “as sementeiras no campo”. “Cuidado com a tendência para nos esquecermos de que somos um país de navegadores e emigrantes”, alertou. 

Lembrando que o sistema de reformas em Portugal “depende de um equilíbrio entre ativos e reformados”, Paulo Portas considerou que “vai ser preciso abrir um pilar de capitalização na área da Segurança Social, porque temos de ter ativos suficientes para pagar as pensões de hoje”. Neste quadro, “os PPR [Planos Poupança Reforma] parecem uma lenda do passado, mas vão ter inevitavelmente de voltar”. 

Europa deixou de inovar 

A inovação é outro desafio que a Europa enfrenta, na opinião de Paulo Portas. Segundo o antigo governante, ao contrário do Japão, que “é o país mais velho do mundo, mas inova fantasticamente, a Europa não só envelheceu como deixou de inovar”. Enquanto “os EUA gastam mais em inovação do que em defesa, ao contrário do que muitas vezes se diz”, a China, em 2023, ultrapassou a Europa em percentagem do PIB investida em investigação e desenvolvimento, “o que deveria ter acendido um alerta em Bruxelas”.

Significativo é também o facto de não constar uma única companhia europeia nas 15 maiores empresas do mundo, em capitalização bolsista. “É uma competição entre americanos e chineses”, referiu Paulo Portas. 

Para o antigo vice-primeiro-ministro, para voltar a colocar a Europa na rota da inovação, é necessária uma política de incentivo que envolva quer o setor público, quer o privado. Perante as atuais medidas da administração norte-americana em relação às universidades, Portas afirmou que, se pudesse definir as políticas europeias nesta área, “abriria as portas aos cientistas americanos que queiram sair” dos Estados Unidos. 

Aumentar produtividade para subir salários 

Associado ao atraso na inovação está um outro desafio que a Europa enfrenta e que foi também identificado no chamado “Relatório Draghi”: a falta de produtividade. Neste âmbito, Paulo Portas considera que Portugal enfrenta uma situação particularmente difícil: “A Europa tem 80% da produtividade por hora trabalhada em relação aos EUA. E Portugal tem 75% da produtividade da média europeia.” 

Também preocupante, na visão de Paulo Portas, é o índice de gestores de compras (PMI), que inclui as encomendas do setor privado, entre outras categorias. Neste indicador, apenas as encomendas no setor dos serviços (que inclui o turismo) estão em terreno positivo em quatro das cinco maiores economias da Europa. No que respeita às encomendas da indústria e manufatura, todas estão em negativo. A exceção é a França, que apresenta valores considerados negativos neste índice (ou seja, abaixo de 50) em ambos os setores. 

“Deixámo-nos ultrapassar na indústria. Os custos de produção são muito elevados”, afirmou Paulo Portas, sublinhando o “altíssimo” preço da energia que alimenta a indústria alemã e a necessidade de diminuir a regulação para aumentar a competitividade da economia europeia. 

“Quando se consegue obter ganhos de produtividade, consegue-se aumentar o nível médio dos salários”, sublinhou o antigo vice-primeiro-ministro, que se afirmou preocupado com “a proximidade do salário médio com o salário mínimo em Portugal”. Um sinal de que “a possibilidade de as pessoas subirem na vida é reduzida”. 

Nada é irreversível nem definitivo 

Apesar de todas estas dificuldades, Paulo Portas deixou uma mensagem de otimismo, lembrando que nenhum destes desafios é inultrapassável. “Nada disto é irreversível. A Europa tem capital e cérebros, mas tem um sistema pouco competitivo”, sendo por isso, necessário conjugar esforços entre os setores público e privado para inverter a situação. 

Em relação ao presidente norte-americano, Paulo Portas defendeu que se deve “dar atenção ao que faz e não ao que diz”, dado que, em situações como a política comercial, “quase um terço das medidas foram de reversão ou suspensão” das tarifas anunciadas. 

A este propósito, Paulo Portas lembrou que as tarifas impostas pelos EUA serão pagas pelos consumidores norte-americanos, da mesma forma que as tarifas impostas em retaliação pela União Europeia serão pagas pelos consumidores europeus. Por isso, aconselhou aos políticos europeus “cabeça fria” nesta fase. 

“Nada é definitivo nos EUA. Haverá eleições para o Congresso e o Senado em novembro de 2026 e, se a maioria mudar, o presidente vai estar sempre em comissões de inquérito”, adiantou Paulo Portas. 

Doutor Finanças: “Um brand fantástico” 

Apesar de todos os desafios que se colocam à Europa, Paulo Portas não deixou de reconhecer que a Península Ibérica tem constituído, nos anos mais recentes, uma “jangada de pedra” no Velho Continente. “Portugal e Espanha tiveram uma performance francamente melhor do que a média europeia. É razão para ter algum otimismo e confiança”, disse o antigo governante.  

Um desempenho positivo da economia portuguesa que, segundo Paulo Portas mostra “uma justaposição entre o crescimento do Doutor Finanças e o momento económico que se viveu nos últimos anos em Portugal.” 

Paulo Portas saudou também a decisão de criar uma disciplina de literacia financeira em Portugal. “O Ministério da Educação está a construir o currículo”, afirmou o antigo governante, considerando que entidades como o Doutor Finanças, “que tem um brand fantástico” deveriam participar neste projeto. 

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