Com as últimas alterações à Lei dos Solos, publicadas a 9 de abril, passa a ser possível a reclassificação de terrenos rústicos em urbanos, permitindo assim a construção.
Por outro lado, estas mudanças introduzidas na Lei dos Solos no regime que rege a gestão territorial terão impacto no preço que se poderá cobrar por uma casa, se a intenção for vender o imóvel. Além disso, a falta de resposta de uma entidade em todo o processo de reclassificação passa a transformar-se numa resposta tácita.
Em termos técnicos, os terrenos dividem-se em duas categorias mais abrangentes, os terrenos de solo urbano e os terrenos de solo rústico. Os primeiros correspondem a áreas totais ou parcialmente urbanizadas ou edificadas, enquanto os segundos se destinam sobretudo à agricultura e pecuária. O Doutor Finanças elaborou uma lista de mudanças que o podem ajudar a entender esta nova Lei dos Solos.
Das couves às casas: Mudar um solo rústico para construção
Os especialistas veem poucas mudanças em relação à norma que foi publicada no final do ano passado.
As principais alterações “visam restringir os casos em que é admissível a reclassificação do solo rústico para solo urbano, uma vez que a Assembleia da República entendeu que deveriam ser introduzidas novas condicionantes às situações de reclassificação previstas no anterior diploma aprovado pelo Governo” no final do ano passado, defendem os advogados da Morais Leitão, João Pereira Reis, Rui Ribeiro Lima e o consultor Miguel Arnaut no mais recente Legal Alert da sociedade.
Também José Bernardo Cardoso Marcos, advogado associado da FALM Advogados, refere que “o que se verifica, quando muito, é a possibilidade de um regime simplificado de reclassificação de solo rústico em solo urbano para habitação, mas que já resultava antes do Regime Jurídico de Instrumentos de Gestão Territorial” e depois com as mudanças introduzidas no final do ano passado. “Deste modo, esta alteração legislativa de 9 de abril não veio alterar diretamente este regime”, remata José Bernardo Cardoso Marcos.
Nova lei dos solos: Requisitos para converter um terreno
Neste regime destacam-se as alterações que permitem a conversão para terrenos urbanos de terrenos rústicos anteriormente destinados para atividades como agricultura e pecuária. Esta possibilidade foi justificada pelo Governo como forma de responder à falta de oferta de casas.
No entanto, são introduzidos determinados requisitos para como pode ser realizada esta conversão e que podem condicionar as escolhas dos proprietários, nomeadamente:
- Que 70% da habitação seja pública, destinada a arrendamento acessível ou a habitação a custos controlados;
- Parecer positivo (ainda que não vinculativo) da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) competente, sempre que a propriedade do solo seja privada. Ainda assim, é preciso salientar que, com estas alterações, a CCDR conta com um prazo de 20 dias úteis a contar da data do envio da proposta para emitir esta posição, sob pena de se considerar que há um parecer favorável tácito.
Isto significa que a maior fatia da área de construção terá de ser destinada ao arrendamento.
Leia ainda: Cuidados a ter quando se compra um terreno para construir casa
Como transformar um solo rústico em urbano?
Mas uma vez que queira mudar este terreno rústico em urbano, como o poderá fazer? O processo é complexo, até porque nem todos os terrenos podem ser convertidos. Ainda assim, é possível traçar linhas gerais:
- Deve, antes de mais, dirigir-se à câmara municipal onde está localizado o terreno e confirmar se é possível fazer esta conversão. O executivo camarário terá de confirmar se, por exemplo, o terreno está numa área urbanizada, com rede de esgotos, entre outros serviços essenciais, e se a construção se enquadra no Plano Diretor Municipal (PDM).
- Se a mudança for autorizada, poderá dar início ao processo, que inclui várias fases. Dada a complexidade, poderá ter de consultar um advogado especialista em direito administrativo e urbanismo.
- Uma vez convertido o terreno, deve informar as Finanças, dado que o terreno estará sobre um novo enquadramento fiscal.
O “sim” é garantido?
Este poder passa a estar nas mãos das câmaras municipais, que irão decidir, nos termos de lei e do seu PDM se pode ou não haver conversão de solo rústico para solo urbano. Assim, pode haver recusas por várias razões incluindo:
- Se o terreno se encontra em áreas da Reserva Ecológica Nacional (REN), onde a reclassificação de solos rústicos em solos urbanos para a finalidade habitacional não pode ocorrer;
- Caso haja um parecer negativo da CCDR, ainda que este não seja vinculativo;
- Se existirem impedimentos no âmbito do PDM;
- Se não existir uma área urbanizada, ou seja, se não existir um conjunto de recursos básicos.
Quão controlados devem ser os custos da habitação?
Ao ser vendida por privados, a habitação a custos controlados não pode exceder 6% do custo de promoção, ou seja, da obra e de todos os procedimentos envolvidos. Esta portaria do Governo refere a fórmula para chegar ao custo de promoção, que é composta por vários fatores, incluindo o valor do terreno e o custo de construção.
Isto significa que, se vai comprar um terreno para depois reclassificar e vender parte da estrutura habitacional (que não pode ir além dos 30%), não poderá vender por muito mais do que aquilo que foi o custo de construção e licenciamento. Por exemplo, se o terreno e a casa custaram 100 mil euros a construir e a licenciar, não poderá vender a mais de 106 mil euros.
Esta é uma importante alteração ao regime, já que a versão do final do ano passado aplicava uma percentagem sobre uma mediana por metro quadrado, que variava de região para região, pelo que era necessário recorrer às estatísticas do INE. A nova lei dos solos torna o cálculo mais direto.
Quanto tenho de pagar para converter um solo rústico em urbano?
A tabela de custos mudará de autarquia para autarquia, já que terá de pagar imposto municipal sobre imóveis (IMI), além dos custos administrativos – e todas estas taxas variam consoante o município.
O valor do IMI é estipulado anualmente, com o Governo a definir tetos máximos e mínimos, cuja taxa final é determinada por cada município. Atualmente, a taxa pode variar entre 0,3% e 0,45% para os prédios urbanos, podendo chegar aos 0,5% em casos muito específicos. Para os prédios rústicos (terrenos), deve ser de 0,8%. Em situações de prédios mistos, é aplicada a taxa a cada parte correspondente.
Tenha em conta que o IMI incide sempre sobre o valor patrimonial tributário (VPT), que é o valor atribuído pela Autoridade Tributária a um imóvel. Ou seja, o VPT não corresponde ao valor da escritura – e um VPT de um terreno será sempre mais barato do que o VPT de um terreno com uma casa construída.
Assim, sabendo qual a taxa que é praticada no município onde está localizada a sua casa, basta multiplicá-la pelo VPT. Pode calcular o seu IMI com recurso a este simulador do Doutor Finanças.
As autarquias têm ainda a possibilidade de isentar os proprietários deste imposto, sendo a lista de quem concede este benefício publicada anualmente.
Caso adquira o terreno (se este já não for seu), terá ainda de pagar o imposto municipal sobre transmissões (IMT) no ato da compra, que é de 5% para prédios rústicos, 6,5% na aquisição de prédios urbanos e até 7,5% no caso de prédios urbanos para habitação própria.
Por exemplo, se adquirir um terreno em Pinhel, no distrito da Guarda, que custe 50 mil euros, terá de pagar 400 euros de IMI (200 em setembro + 200 em novembro) e ainda o IMT, que, neste caso, será de 5% de 50 mil euros, ou seja, 2.500 euros. Feitas as contas, só em impostos e preço do terreno irá pagar 52.900 euros.
Quando vier a construir a casa para vender 30% a preços de mercado e 70% a custos controlados, o preço desta segunda parte terá em conta o custo de promoção, que inclui:
- O valor pago pelo terreno, atualizado de acordo com o índice de preços da habitação para Portugal estabelecido pelo INE para o mês em que vender;
- E o custo de construção – não aquele que pagou, mas sim o que está no índice de construção nova do INE para a Guarda.
A este custo de promoção, só pode adicionar uma margem de 6%. Assim, se as obras mais o terreno custarem 100 mil euros, só poderá vender 40%, ou seja só cobrará 40 mil euros e aplicará uma margem de 6%, pelo que o preço final por esta parcela não pode ultrapassar os 42.400 euros.
Até quando posso converter um solo rústico em urbano?
Umas das alterações a este regime deve-se também à discussão entre partidos sobre se esta norma devia ou não vigorar de forma temporária. Para já, tem até 31 de dezembro de 2028 para realizar a conversão ao abrigo deste regime especial.
Depois desta data será elaborado um relatório de execução que servirá de base de discussão ao Governo e à Assembleia da República para decidir se este regime especial se mantém ou não.