homem com lupa sobre cubos de madeira onde se lê rate (juros)

Antecipar as decisões de política monetária tem sido um exercício bastante complicado ao longo dos últimos meses. As expectativas foram revistas de forma célere em 2022, à medida que foram divulgados indicadores que forçaram os bancos centrais a acelerar o ritmo de subida de juros para fazer face à escalada da inflação.

A incerteza mantém-se em 2023, mas o arranque do ano veio dar uma maior visibilidade sobre o rumo dos juros do Banco Central Europeu (BCE) e Reserva Federal dos Estados Unidos (Fed) nos próximos meses até que seja atingida a taxa terminal.

São várias as premissas que se podem desde já assumir com probabilidade elevada de se concretizarem:

  • A inflação na Zona Euro e nos Estados Unidos já atingiu o pico;
  • A economia global está mais resiliente do que o previsto, evitando uma recessão neste inverno;
  • Com as taxas de juro em níveis já restritivos, os bancos centrais vão continuar a abrandar o ritmo e a pausa no atual ciclo não estará muito longe.

Os indicadores divulgados em janeiro permitem assumir estas perspetivas com um grau de conforto considerável. A inflação está a descer há vários meses seguidos na Zona Euro e nos Estados Unidos e o PIB do quarto trimestre cresceu nos dois lados do Atlântico.

A reabertura rápida (e surpreendente) da economia chinesa e a descida acentuada dos preços da energia (sobretudo gás natural na Europa) reforçou o otimismo que marcou as primeiras semanas de 2023 e que foi bem visível no desempenho dos mercados, com as ações a recuperarem uma parte considerável das fortes perdas do ano passado.

As reuniões de política monetária no início deste mês reforçaram a tendência positiva dos mercados, com os investidores agradados com as palavras dos líderes da Fed e do BCE. Jerome Powell vincou que os Estados Unidos já estão em desinflação (descida da inflação) e Christine Lagarde assinalou que o desempenho da economia europeia está a superar o previsto.

Os dois bancos centrais deixaram claro que ainda não terminaram o trabalho, sendo necessário mais subidas de juros para domar a inflação. Mas os investidores preferiram olhar para a luz ao fundo do túnel, vislumbrando que o atual ciclo do aperto de política monetária está perto do final.

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BCE torna caminho mais claro

Na reunião de 2 de fevereiro, o BCE cumpriu as expectativas ao aumentar os juros em 50 pontos base, o que colocou a taxa dos depósitos em 2,50%. O banco central acabou por surpreender ao comprometer-se, desde já, com uma nova subida de 50 pontos base, para 3,00%, na reunião agendada para 16 de março.  

Ao fornecer este guidance, o banco central traçou um caminho mais previsível para a evolução dos juros, pelo menos a curto prazo. Christine Lagarde também sinalizou que o BCE não iria ficar pelos 3,00%, pelo que a generalidade dos economistas estima que a autoridade monetária vai colocar os juros em 3,5%.

A dúvida está em saber se já na reunião de 4 de maio com um novo aumento de 50 pontos base. Ou só a 15 de junho, com duas subidas seguidas de 25 pontos base.

Dentro do Conselho do BCE, o órgão que define a política monetária do banco central, também cresce o consenso de que os 3,50% poderão ser a taxa terminal do BCE. Mesmo os defensores de uma política mais restritiva consideram que este nível é suficientemente restritivo para garantir que a inflação se encaminha para a meta dos 2%.

Uma análise recente da Reuters, que citava vários membros do Conselho do BCE, indicava que os falcões do BCE estão confortáveis em fazer uma pausa quando a taxa de juro atingir 3,50%. A confirmar-se esta evolução, o BCE terá subido os juros em 400 pontos base (4 pontos percentuais) no espaço de um ano, o que representa o aperto de política monetária mais agressivo da história do banco central.

No caso da Fed, o fim do ciclo parece estar ainda mais próximo. O banco central dos Estados Unidos já subiu os juros em 450 pontos base, e na última reunião, de 1 de fevereiro, abrandou o ritmo para 25 pontos base. A taxa está agora em 4,50%-4,75%, sendo que o mercado aponta para uma taxa de juro terminal em torno de 5,25%, o que implica (pelo menos) mais duas subidas de 25 pontos base.

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Inflação que interessa é a subjacente

A inflação nos Estados Unidos desceu em dezembro para 6,5%, no sexto mês consecutivo em queda para o nível mais baixo desde outubro de 2021 e já distante do máximo de 40 anos fixado em junho do ano passado (9,1%).

Na Zona Euro, a inflação desceu em janeiro pelo terceiro mês seguido, atingindo um mínimo desde maio nos 8,5%. Esta tendência benigna esconde uma evolução que não agrada ao BCE e impede o banco central de colocar o pé do travão.

A inflação subjacente, que exclui os preços dos bens alimentares e energia, atingiu 5,2% em janeiro, igualando o máximo histórico fixado em dezembro. Ou seja, numa elevada parcela do cabaz do índice de preços no consumidor o abrandamento na alta dos preços ainda não se faz sentir.

Na conferência de imprensa após a última reunião de política monetária, Lagarde foi bem explícita ao apontar o dedo à inflação subjacente como o indicador a ter em conta para avaliar se a política monetária está a ser efetiva no combate à alta dos preços.

Os economistas têm alertado que o maior perigo passa por a inflação persistir em níveis elevados, o que será um fator de pressão na atividade económica e poder de compra das famílias.

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Montanha ou planalto?

Caso a inflação continue a aliviar e a economia a abrandar sem entrar em recessão, as taxas de juro terminais do BCE e Fed não ficarão muito longe dos valores já referidos. 25 pontos base acima ou abaixo, a diferença será pouco relevante.

Importa agora saber se as taxas de juro vão permanecer num nível restritivo por um longo período, como estão a sugerir os responsáveis dos bancos centrais. Ou se vão começar a baixar pouco depois de atingirem o pico, como estão a apostar os mercados.

Se o gráfico dos juros vai assumir a forma de uma montanha, ou de um planalto, dependerá de uma série de fatores, que se podem resumir desta forma:

Montanha. Inflação continua a abrandar de forma célere mês após mês e a economia entra em recessão, contribuindo para pressionar os preços. Neste cenário, os bancos centrais ganham argumentos para aliviar a política monetária, fazendo descer os juros para um nível neutral.  

Planalto. A inflação subjacente persiste em níveis elevados e a economia permanece resiliente e com um mercado de trabalho robusto. Os bancos centrais têm de manter as taxas de juro em níveis restritivos por um período prolongado, forçando um enfraquecimento da economia de modo a trazer inflação em direção à meta.

Estes são os dois cenários mais prováveis, mas existem outros desenvolvimentos que estão em cima da mesa e que desafiam as atuais expectativas para a taxa terminal do BCE e da Fed.

Inflação desce e economia resiste. É o cenário ideal e que daria aos bancos centrais a credibilidade de conseguirem o desejado soft landing (aterragem suave). Os juros podem baixar de forma suave depois de um planalto relativamente curto.

Inflação alta e economia em recessão. É o cenário pesadelo e que pode obrigar os bancos centrais a ir além das taxas de juro terminais que estão atualmente a ser estimadas. Entre travar a quebra da economia e combater a inflação elevada, as autoridades de política monetária não vão hesitar em colocar o foco nos preços, mesmo que para isso seja necessário agravar a recessão.

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